sexta-feira, outubro 29, 2010

Texto escrito no ano de 1998/1999. Tinha 14 anos...


Entre sapatilhas de ponta e chuteiras com travas


Nunca gostei de frequentar aulas de jazz ou de ballet. Precisa-se de um corpo muito disciplinado: movimentos lindos, no entanto, contidos e, sinceramente, no "Lago dos Cisnes" o patinho feio sempre morreu afogado.
Gosto de esportes! Ir ao encontro da bola de vôlei como se estivesse mergulhando em uma piscina olímpica.
Queria que compreendessem... E, talvez, eles até compreenderiam, caso eu explicasse, mas não quero explicar.

Estou entre sapatilhas de ponta e chuteiras com travas.
Não ficaria menos feminina calçando chuteiras.
E as sapatilhas também não me deixariam mais menina.
Sou o que sou.
Uma desajeitada no meio de tantos laços rosa bebê, mas sempre me encontro em tom rosa choque.

Danielle Faria.

Estava mexendo na caixa de guardados e achei essa produção. Não lembro de tê-la escrito, mas lembro vagamente do contexto: minha mãe queria que eu voltasse a frequentar o jazz e o ballet, sendo que o mesmo chocava com meus treinos de vôlei. Tenho quase certeza que o motivo foi esse!
Bom reler minha história!

sexta-feira, outubro 22, 2010

"A arte de produzir fome: a cabeça não pensa aquilo que o coração não pede."

"Adélia Prado me ensina pedagogia. Diz ela: Não quero faca nem queijo; quero é fome. O comer não começa com o queijo. O comer começa na fome de comer queijo. Se não tenho fome é inútil ter queijo. Mas se tenho fome de queijo e não tenho queijo, eu dou um jeito de arranjar um queijo..." (Rubem Alves).


Procuro carregar poucas certezas e tenho atração pelas perguntas.
As certezas que carrego dificilmente são abaladas porque as construo sobre bases sólidas, mas nada é imutável.

Dito isso:

Véspera de feriado... Caminhava despreocupada e decidi entrar na livraria. Imediatamente avistei uma placa com os dizeres: “Livros em promoção”. O anúncio da placa da livraria equivale à sensação que muitas mulheres têm quando encontram a propaganda: “Roupas com 80% de desconto”.
Em suma, saí da livraria coberta de sacolas.
No dia seguinte, veio o velho e conhecido sentimento de culpa – "Vou demorar uma década para ler os livros! Por que não comprei somente quatro ou cinco? Refleti.
Selecionei alguns livros e entre os selecionados escolhi: “Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado.”
No final da tarde já tinha terminado a leitura.

Já experimentaram a sensação de olhar para os lados e não reconhecerem os objetos em seu em torno? Objetos, que compõem seu próprio quarto?
Já sentiram um impulso incontrolável e desesperador de gritar ao notarem que o mundo gira em uma velocidade que você não acompanha?
Eu senti tudo isso! Mas não pensem que as palavras faltaram... Imediatamente uma resposta às sensações surgiu (ação e reação):
- "Mundo, para de girar porque eu preciso descer!" - Não tenho dúvidas que essa frase é cômica, no entanto, uma resposta mais que apropriada, considerando o contexto.

Obstinada, abri o livro novamente na tentativa de culpabilizar alguém pelo momento de desequilíbrio e incerteza no qual fui exposta.
Lá estava a causadora da desordem que organiza... Sorridente e provocante: Ana Beatriz.

- "Ótimo! Para alguém com poucas certezas, uma a menos não faz diferença" - Em pensamento reivindicava.
- "Ops! Calma! Menos histeria... Algumas páginas não abalarão suas 'certezas'! Recomponha-se imediatamente!" - A voz imperativa da razão argumentava.
E comecei a teorizar minha emoção - "Tenho tudo sob controle! Estou em conflito cognitivo... Antigos esquemas entraram em desequilíbrio e vivo o processo de assimilação. Daqui a pouco 'isso tudo' acomoda e estarei adaptada: equilibração majorante!" – Eh... Fácil explicar, difícil vivenciar!
Praticamente fazia uma "oração" para o "santo" Piaget.
Naquela altura, invocava todos os eufemismos para negar a existência do lobo em pele de cordeiro, personagem há tempos esquecido.

Meu monólogo mental não durou muito... O suficiente para admitir duas verdades: primeira, tinha uma certeza a menos. Segunda, tinha centenas de perguntas a mais.
Nunca fui boa em matemática, mas calculando perdas e ganhos, sou grata pelo resultado final: provocaram em mim a fome pelo saber.

 
Indubitavelmente, o livro "Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado" é inquietante!
Ele é um convite à reflexão!

Se você, assim como eu, admira pessoas que conseguem provocar dúvidas. Ou seja, gosto de quem atiça, abala, excita, espicaça, estimula, instiga, aviva o desejo de buscar respostas, recomendo a leitura de "Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado".
Agradeço a autora, Ana Beatriz Barbosa Silva, por despertar essa profusão de emoções!

A escrita foi a responsável por todo esse interesse desinquieto que acabo de relatar, mas foi a conduta profissional  e, principalmente, humana da escritora (que fica evidente no livro) que fez/faz meu "coração pedir e a cabeça pensar".

Danielle Faria.

O título do relato não foi criado por mim. É de Rubem Alves. Detalhes em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u146.shtml
INFORMAÇÕES: Ana Beatriz é psiquiatra e escritora. Autora de sete livros que recomendo: 
Bullying: mentes perigosas nas escolas.
Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado.
Mentes Inquietas:TDAH-desatenção,hiperatividade e impulsividade.
Mentes & Manias.
Mentes com Medo: da compreensão à superação.
Mentes Insaciáveis: anorexia, bulimia e compulsão alimentar
Sorria, você está sendo filmado  (em parceria com o publicitário Eduardo Mello).
Para mais informações acesse o site: http://www.medicinadocomportamento.com.br
Twitter: @anabeatrizpsi e @mcomport

quinta-feira, outubro 21, 2010

Confissões

Professora Thais (nossa paraninfa) formalizando a transição estudante/profissional. Reparem meus olhos, nariz... Rosto inchado de tanto chorar!


O soar do sino, o parque de madeira, as crianças em filas, a lousa verde, o cheiro dos livros da biblioteca... Lembranças que me emocionam.
Cresci dentro de escolas!
Quando frequentava a graduação, muitos colegas de classe não entendiam minha ligação com a universidade e, sinceramente, era difícil mesmo entender.--

_" Uma aluna que reside na mesma cidade em que estuda, portanto, pode sair de casa meia hora antes do início da aula, mas não! Chega a universidade com quatro horas de antecedência porque prefere estudar na biblioteca!" - Protestava Dani Rose balançando a cabeça e dando risadas.
_ "Como se não bastasse, depois do término da aula, continua fazendo perguntas aos professores. Isso só pode ser loucura mesmo!" - Dizia a Iara com uma cara de desanimar qualquer coração esperançoso.

Neste contexto, o diagnóstico - loucura só atenuava a situação, uma vez que éramos estudantes de Psicologia, mas isso nunca me incomodou. Se era para ser ou não louca, estava no lugar certo.

No tão sonhado dia da colação de grau, tive vontade de fugir do auditório. Certa que essa ideia era parcialmente insana pensei em pedir a palavra e decretar que a partir daquela data o curso de Psicologia iria durar dez anos, mas antes de me pronunciar imaginei meus colegas batendo na minha cabeça com o capelo e desisti imediatamente.
Enquanto todos se deliciavam pela conquista de concluir a graduação, chorava compulsivamente... Inconsolável... Tive a ligeira sensação de estar só e abandonada, mas procurava manter a calma, afinal, também festejava uma conquista, com uma empolgação visivelmente menor que a dos demais.

Após colação de grau, precisávamos devolver a beca. Lembro que saí do auditório como uma pessoa que procura em sua bolsa algo que perdeu.
Andava distraída quando fui abraçada pela professora Jane e me agarrei a ela na certeza que não perderia mais nada naquela noite. _"Dani, vai ficar tudo bem. Você está bem?" - Perguntava Jane. Respondi que sim. Uma resposta brevíssima! Não queria cometer o erro de falar o que eu pensava: _ "Estou péssima! Uma bomba retroativa seria uma ótima ideia nesse momento!"

O que relato é uma pequena parte dos cinco anos de graduação.
Há outros episódios como no dia em que a professora Thais comunicou que não iria dar mais aulas na universidade. Não conseguia olhar para seu rosto. Senti meu coração rasgando tal como se parte uma folha de papel. Doeu! Foi difícil, mas depois de um ou dois períodos me recuperei. Tudo passa!

Ou como no dia em que perdi minha voz. Até aí tudo bem. Quem nunca ficou rouco? Só que no meu caso, a apresentação do trabalho de CONCLUSÃO de curso seria em dois dias.
Escutei a Fideles, a mão amiga que apoiou minhas elucubrações, tentando me tranquilizar - obrigada Fideles.
Ouvi também pacientemente todas as piadas que sempre terminavam com o famoso bordão: -"Freud explica!" E ele explicava mesmo!

Pode até parecer loucura.
Pode até parecer um apego desmedido.
É que atrás deste texto, existe o contexto que poucos conheceram.
Todas as minhas lembranças estão intimamente associadas à escola. Acho que frequento esse espaço desde os dois anos de idade.

A primeira vez que preparei meu próprio leite foi sob a supervisão da Dª Maria, cantineira da escola.
Meu primeiro machucado, com pontos e tudo mais, aconteceu na escola quando tentava descer as escadas da quadra de esportes com um velotrol.
O primeiro desenho que fiz ilustrava uma professora escrevendo no quadro - na verdade, era uma bola informe e desproporcional, mas o que vale é a explicação do desenho. Ainda tenho a ilustração guardada no baú.
Brincava de ser professora com alunos de verdade, ao lado da minha mãe que dava aulas de História.
Tive amigos com idades variadas... Cinco, seis, oito, doze e adultos.
Nos meus aniversários sempre tinham professores que eram meus amigos também.
Antes da idade escolar - seis anos - escondia entre as estantes da biblioteca depois de fazer alguma travessura. Graças ao meu esconderijo li minha primeira palavra – "pipa" – antes de completar cinco anos.
Já brinquei de casinha e de labirinto com as carteiras da escola.
Já estraguei o canteiro de cebolinhas do senhor José, zelador da escola.
Já ouvi aulas sobre rotação e translação em pleno período do desenvolvimento infantil em que o egocentrismo é característica marcante - período pré-operatório, segundo Piaget.
Já brinquei de escorregar na cantina coberta de sabão em pó e água.
Tudo isso, antes de entrar no antigo pré-escolar.

Talvez analisando essa parte da história, a "loucura" torna-se explicável.
Sair da universidade significou sair da minha própria casa.

Sair da minha própria casa/universidade foi doloroso e necessário. É como Carlos Drummond de Andrade escreveu "nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra", mas foi porque havia a "pedra" que resolvi "plantar meu próprio jardim e decorar minha alma, em vez de esperar que alguém me trouxesse flores", agora, as palavras são de William Shakespeare. Palavras emprestadas para dizer de um caminho que é meu!
Cultivo o meu jardim... Encontro alguns espinhos, é verdade! Mas como é recompensador ver as sementes crescerem, sentir o cheiro das rosas e poder repousar vez ou outra sob a sombra da frondosa árvore que eu mesma plantei.

Danielle Faria.

quarta-feira, outubro 13, 2010

Simplesmente Clarice Lispector.


Em 1976, José Castello, biógrafo e escritor, que na época trabalhava no jornal "O Globo" teve o seguinte diálogo com a escritora Clarice Lispector:
J.C. "— Por que você escreve?
C.Lispector. "— Vou lhe responder com outra pergunta: — Por que você bebe água?"
J.C. "— Por que bebo água? Porque tenho sede."
C.Lispector. "— Quer dizer que você bebe água para não morrer. Pois eu também: escrevo para me manter viva."


Clarice Lispector, sem sombras de dúvidas, é a escritora que mais me toca.
Suas palavras parecem me virar do avesso... Sinto-me desnuda! É como se ela soubesse de segredos que jamais contaria a alguém.
Suas palavras fazem a leitura da minha alma.






sexta-feira, outubro 08, 2010

Desejos...


Parte de mim deseja estar só... Despreocupada... Vacilante...
Deitar na grama e contemplar a esfera celeste...
Traçar linhas imaginárias entre as estrelas rabiscando o céu de um hemisfério ao outro...
Identificar as constelações!
Ursa maior, Ursa menor, Andrómeda, Cassiopeia e quem sabe inventar constelações cujos nomes sejam mais fáceis de memorizar.


Parte de mim deseja reduzir ao pó conceitos que definem comportamentos que são culturalmente e/ou socialmente aceitáveis: ir de moletom e meias coloridas ao supermercado, ao verdureiro, ao shopping... Calçar escarpan rosê e vestir veludo em tom pastel com algumas tiras de renda - dando um tom sensual – para assistir a programação da tevê aberta em pleno domingo.
Ficar de pijama o dia todo e sentar da forma que meu corpo pedir - cruzar as pernas, embora alguns considerem um comportamento sensual, causam dores no joelho.

Parte de mim deseja elevar o tom e gritar vez ou outra...
Esquecer os bons modos e resolver algumas pendências com um elegante e certeiro chute entre as pernas – Isso deve doer, mas a parte perversa que em mim habita vai rolar de rir.

Parte de mim deseja rasgar o calendário, queimar a agenda, esmagar o tempo...
Comer jujubas, chocolate, castanhas, massas sem me preocupar com o espelho mentiroso e sarcástico, que apontará nos dias seguintes a localização de cada caloria que ingeri.


Parte de mim deseja caminhar e dançar na chuva como uma insana que se perde e vaga sem rumo...
Esperar uma volumosa enxurrada, soltar um barquinho e correr desesperadamente atrás do papel branco que desmancha lentamente na água...

Parte de mim deseja estar só, porque arrancar as máscaras não exige somente coragem, exige conhecimento profundo de quem você verdadeiramente é.
Há pessoas que decidem serem elas mesmas e pronto. Mas não é tão simples assim. Há máscaras que estão tão entranhadas que você mesmo as desconhece.

Parte de mim deseja estar despreocupada, porque um simples tic-tac de um relógio pode comandar minha vida e isso não pode estar correto!

Parte de mim deseja estar vacilante porque quem sabe titubeando eu não sabote todos os desejos que acabo de descrever.

Danielle Faria.

terça-feira, outubro 05, 2010

A primeira orquestra


O cheiro do café invade meu quarto fazendo cócegas no meu nariz e desperta-me de uma noite de sono tranquilo.
Feixes de luz dançam entre os tecidos da cortina, embalados pela brisa leve e suave da manhã.
Meus olhos preguiçosamente se abrem e em meus pensamentos pode-se escutar o bom dia da vida que se renova.
Estico meu corpo como se quisesse alcançar o infinito e ele agradece meu gesto com um grande e largo bocejo.
Os pés tocam e riçam o tapete felpudo provocando cócegas e risos tímidos.
Vacilante meu corpo ergue-se... Pequenos e discretos estalos das articulações avisam que tudo está em equilíbrio para os primeiros passos.  

O cheiro do café...
O barulho dos vasilhames...
O cantarolar da vizinha desafinada em contraste com a canção do bem-te-vi...
O som da água que hidrata as plantas da varanda...
O cheiro de grama cortada e de pergaminho novo... 
É a manhã que se anuncia como uma orquestra. Em perfeita sincronia com os sentidos: olfato, visão, paladar, tato e audição.
Orquestra que se apresenta todos os dias, bela e afinada para os que desejam senti-la.

Danielle Faria