sexta-feira, julho 29, 2011

A tristeza Permitida, por Martha Medeiros


 "Se eu disser pra você que hoje acordei triste, que foi difícil sair da cama, mesmo sabendo que o sol estava se exibindo lá fora e o céu convidava para a farra de viver, mesmo sabendo que havia muitas providências a tomar, acordei triste e tive preguiça de cumprir os rituais que faço sem nem prestar atenção no que estou sentindo, como tomar banho, colocar uma roupa, ir pro computador, sair pra compras e reuniões – se eu disser que foi assim, o que você me diz? Se eu lhe disser que hoje não foi um dia como os outros, que não encontrei energia nem pra sentir culpa pela minha letargia, que hoje levantei devagar e tarde e que não tive vontade de nada, você vai reagir como?

Você vai dizer “te anima” e me recomendar um antidepressivo, ou vai dizer que tem gente vivendo coisas muito mais graves do que eu (mesmo desconhecendo a razão da minha tristeza), vai dizer pra eu colocar uma roupa leve, ouvir uma música revigorante e voltar a ser aquela que sempre fui, velha de guerra.

Você vai fazer isso porque gosta de mim, mas também porque é mais um que não tolera a tristeza: nem a minha, nem a sua, nem a de ninguém. Tristeza é considerada uma anomalia do humor, uma doença contagiosa, que é melhor eliminar desde o primeiro sintoma. Não sorriu hoje? Medicamento. Sentiu uma vontade de chorar à toa? Gravíssimo, telefone já para o seu psiquiatra.  

A verdade é que eu não acordei triste hoje, nem mesmo com uma suave melancolia, está tudo normal. Mas quando fico triste, também está tudo normal. Porque ficar triste é comum, é um sentimento tão legítimo quanto a alegria, é um registro de nossa sensibilidade, que ora gargalha em grupo, ora busca o silêncio e a solidão. Estar triste não é estar deprimido.  

Depressão é coisa muito séria, contínua e complexa. Estar triste é estar atento a si próprio, é estar desapontado com alguém, com vários ou consigo mesmo, é estar um pouco cansado de certas repetições, é descobrir-se frágil num dia qualquer, sem uma razão aparente – as razões têm essa mania de serem discretas.   

“Eu não sei o que meu corpo abriga/ nestas noites quentes de verão/ e não me importa que mil raios partam/ qualquer sentido vago da razão/ eu ando tão down...” Lembra da música? Cazuza ainda dizia, lá no meio dos versos, que pega mal sofrer. Pois é, pega mal. Melhor sair pra balada, melhor forçar um sorriso, melhor dizer que está tudo bem, melhor desamarrar a cara. “Não quero te ver triste assim”, sussurrava Roberto Carlos em meio a outra música. Todos cantam a tristeza, mas poucos a enfrentam de fato. Os esforços não são para compreendê-la, e sim para disfarçá-la, sufocá-la, ela que, humilde, só quer usufruir do seu direito de existir, de assegurar seu espaço nesta sociedade que exalta apenas o oba-oba e a verborragia, e que desconfia de quem está calado demais. Claro que é melhor ser alegre que ser triste (agora é Vinícius), mas melhor mesmo é ninguém privar você de sentir o que for. Em tempo: na maioria das vezes, é a gente mesmo que não se permite estar alguns degraus abaixo da euforia.   

Tem dias que não estamos pra samba, pra rock, pra hip-hop, e nem pra isso devemos buscar pílulas mágicas para camuflar nossa introspecção, nem aceitar convites para festas em que nada temos para brindar. Que nos deixem quietos, que quietude é armazenamento de força e sabedoria, daqui a pouco a gente volta, a gente sempre volta, anunciando o fim de mais uma dor – até que venha a próxima, normais que somos". MARTHA MEDEIROS.


Raramente, publico aqui escritos que não são de minha autoria. Não sei se há outras razões, além de este ser "meu espaço Caleidoscópio", conforme consta na descrição do blog. Não sei... 
Estou certa de que as palavras de outros escritores, reconhecidos ou não, traduzem verdades que, às vezes, ainda nem signifiquei.

sexta-feira, julho 22, 2011

Hoje!


Seus olhos abriram-se para o dia de hoje.
Desejou ficar na cama mais um pouco, mas o tempo não permitiria tal regalo, afinal, tinha muitas tarefas para concluir.
Sentiu o cheiro do café torrado e instintivamente seus sentidos foram aguçados. Percebeu que seu estômago pedia uma refeição: pão de queijo, talvez...
Ainda sonolenta pensava nos seus projetos: nas fotos para o álbum, no dia do desfile que se aproximava na mesma velocidade de um piscar. Conseguia visualizar a maquiagem que pretendia usar... Olhou para suas mãos que estavam suadas... Era a adrenalina que sempre acompanhava o sonho da passarela. –“Que mal há em sonhar?” – Falou para si mesma.
Voltou ao seu quarto, abriu a porta do guarda-roupa e pegou algumas calças jeans. – “Ainda dá tempo de experimentar!” – Pensou.
Olhos atentos no espelho e na calça que modelava seu corpo. - Ontem o seu corpo era o de uma garotinha. Como cresceu!
Olhar no espelho, mas seus pensamentos também ocupavam outro tempo e lugar: - “Hoje poderia ser diferente... Quem sabe o celular toca trazendo boas-vindas? Quem sabe o amor sussurra em meus ouvidos ou bate na minha porta trazendo um sapato de cristal?” – Não conteve a risada... – “Sapato de Cristal? Ok, Cinderela!" – Repreendeu seus pensamentos e depois se justificou: - “Quem não quer um final feliz?”
Ouviu a buzina do carro e a realidade suspendeu seu momento de divagações. 
Juntou a roupa e colocou na mochila. Esqueceu alguns acessórios, mas não ficou preocupada, pois iria retornar a tempo de guardá-los.
Saiu de casa, deixando um rastro de perfume...

Seus olhos abriram-se para o dia de hoje e ela não sabia que aquele era seu último despertar... Isso mesmo! A vida parou de assoprar, a finitude a abraçou... O sol nasceu, no entanto, não se pôs! - Vai além da minha compreensão!

Não sei bem o quê escrever... 
Para ela não haverá amanhã...
Sei que enquanto existiu vida, ela sonhou... 
E viveu...
No momento, isso é o bastante.


Danielle Faria.