quinta-feira, abril 14, 2011

O Tamanho do Sonho


Era véspera de Natal do ano de 1989 e como de costume escrevia uma carta para o Papai Noel.
Meu irmão, meus primos e eu sentávamos em volta da extensa mesa da cozinha da vovó e, juntos, endereçávamos nossos pedidos ao "Bom Velhinho". Lacrávamos e entregávamos as cartas aos nossos pais.
Naquela época não era comum uma criança que acabara de completar cinco anos saber ler e escrever, mas eu aprendi. Era muito inquieta e curiosa para esperar a idade “correta” para ser alfabetizada – sete anos, naquele tempo.
Estava feliz, agitada, envaidecida, emocionada... Era um contentamento difícil de descrever, pois aquela era a PRIMEIRA CARTA... Elaborada com as MINHAS palavras.
Não era um texto longo, mas escrevi o suficiente para que o Papai Noel entendesse o meu pedido.
Na semana do natal, minha mãe acolheu-me no aconchego do seu colo e explicou que o Papai Noel não poderia me dar o presente que escolhi. Ela dizia que ele havia ficado imensamente triste por não me atender. Cuidadosamente, escolhia as palavras para justificar o porquê de o Papai Noel negar o pedido descrito em minha carta. Recordo que mamãe falava bem baixinho como se estivesse contando-me um segredo: - “É que na fábrica dele só se constroem brinquedos e pelo que me disse você quer uma de verdade. Ou a de brinquedo serve?” Balancei a cabeça indicando que não... A de brinquedo não serviria.
Lembro que fiquei chateada com o Papai Noel, afinal, tinha me comportado bem durante o ano.
Na mesma noite em que mamãe e eu conversamos, fui até quintal, deitei no banco de madeira para admirar o céu e quis desabafar diretamente com o “Bom Velhinho”: 
_ “Sei o porquê de não ganhar minhas asas" – pedi asas como as dos anjos _"O céu é muito grande e eu poderia me perder". - Era uma explicação sensata, mas quem disse que os desejos que o coração cultiva seguem a razão?
E continuei a discursar: _ "Queria tanto tocar as estrelas! Queria conhecer o arco-íris e, quem sabe, visitar Deus! Talvez, São Pedro não se importaria de abrir as portas do paraíso e eu poderia ver como minhas orações chegam até Jesus... Será que são levadas por anjos? Poderia perguntar a Jesus sobre a Trindade Santa... Afinal, porque o Espírito Santo é desenhado como se fosse uma pomba? Poderia também tocar as estrelas e visitar o Pequeno Príncipe." 
Haviam muitas perguntas. O céu sempre me fascinou... E, pelo que me lembro, fiquei um tempo considerável em silêncio pensando na minha conversa com o “Bom Velhinho”. Repassava cada palavra e imaginava como seria se tivesse asas. Até tentei argumentar: - “Reconsidere! Vou ser cuidadosa e voarei só em lugares próximos a minha casa!” - Obviamente tentei "barganhar"!
De manhã meus primos adolescentes, já sabiam da “menina que queria ter asas” e, é claro, fui a piada do dia.
Enquanto corria atrás dos meus primos munida de goiabas bem maduras e/ou podres que recolhi no chão do quintal, gritava os meus avós. Eu era veloz e esperta, mas, infelizmente, tinha uma mira desastrosa.
Como gostaria que meus primos ficassem impregnados com o cheiro das goiabas! Acertá-los não garantiria meu presente natalino, mas a piada teria o efeito inverso e seria eu a dar as risadas, mesmo sem as asas de anjo. Também, havia me comportado consideravelmente bem durante todo o ano e nada de asas? Uma goiaba a mais, outra a menos...
Sem mais goiabas, sem mais fôlego... Só ouvia as gargalhadas dos meus primos que ficavam cada vez mais insuportáveis.
Sentada no chão com os braços apoiados no joelho e com a cabeça debruçada sobre meus braços, chorava. Minhas lágrimas eram de desapontamento, raiva, vergonha, principalmente, vergonha!
Naquele instante, tive a consciência que nenhuma criança que conheci, havia feito tal pedido para o Papai Noel... - "Asas? Asas como as dos anjos? Impossível!" Pensava. E mais lágrimas.
Ouvi os passos da minha avó se aproximando – era inconfundível o ritmo do seu caminhar! - Ela olhou irritada para meus primos que se calaram. Segurou a minha mão e pediu para que eu ficasse de pé.
Com o olhar desapontado e com a voz engasgada perguntei a vovó: _“Sabia que não ganharei asas no dia de Natal? Papai Noel não fabrica esse tipo de presente". - Ela respondeu que sim... Que sabia. Em seguida, questionou: _“Qual é o tamanho do seu sonho, 'Pequena'?” Estiquei bem os braços na direção horizontal e disse que era maior que o próprio céu.
Ela sorriu e cochichou no meu ouvido: _“Se seus sonhos continuarem crescendo, suas asas também crescerão. Quando o sonho é grande e acreditamos que ele pode ser real, alcançamos o céu, se assim desejarmos.”- E como eu desejava!
Na noite de Natal tive a estranha sensação de ouvir o barulho de asas... Como o som de um pássaro levantando voo.

Talvez, aquele som fosse só a voz desinquieta do meu desejo...

Talvez, fosse a magia do Natal, sinalizando estar ali...
Ou, talvez, fosse um sonho bom. 

Independente "do talvez" e do seu conteúdo de possibilidades, pensei: _“Um dia terei minhas asas e voarei! É só cuidar dos meus sonhos...”

Semeio sonhos e colho "asas"...

Danielle Faria.

8 comentários:

  1. Valeu a pena esperar por mais um de seus textos, lindo, afinal de contas em algum momento de nossas vidas todos temos o sonho de ter asas.

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  2. Você voa alto, pois, tem asas de anjo e alma de poeta!Lindas palavras... que as asas continuem sempre a bater e que você possa sempre senti-las e ouvi-las!

    Bjs!

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  3. Sonhos... Az vezes não acreditamos que possamos ter asas, por um determinado motivo, enfim... Mas só se tem asas, quem é sonhador o suficiente para conquistá-las e principalmente para enxergá-las!!!
    Parabéns Pelo post! Bjs...

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  4. Encantada! Continue sonhando e deixe suas asas crescerem.
    Beijos

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  5. Só posso dizer: fiquei com os olhos marejados.

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  6. Nossa Dani... a cada palavra me vi a seu lado e desejando ardentemente que essas asas crescessem! O que vc ñ esperava é q no lugar de asas, vc se tornou o próprio anjo! Obrigado minha flor por esse texto lindo e profundo!!!

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  7. Liiindo Dani!
    Me senti voltar no tempo com vc,e chorei. rs
    Vc escreve de um jeito que faz com que a gente sinta que participa da história.Lindo lindo!

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  8. Danielle, querida, você ganhou as maiores asas que já vi! \o/ Parabéns! que lindo texto! Amei!

    Beijos!

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